O presidente da Turquia, Recep Tayip Erdogan, está a estabelecer contactos com as autoridades angolanas tendo em vista a extradição dos cidadãos turcos em troca do fornecimento de diversos produtos, sobretudo alimentares, visando encontrar mais uns tantos suspeitos para o suposto golpe de Estado da noite de 15 para 16 de Julho.
Em termos lineares, a ideia de Erdrogam é trocar comida por pessoas que, supostamente, tiveram a ver (nem que seja só em pensamento) com a tentativa de golpe de Estado. Ao que parece, basta ser turco e, neste caso, estar fora do país para ser culpado até prova (que nunca existirá) em contrário.
O alvo é agora África, mais concretamente, Angola. Tanto quanto o Folha 8 apurou, o Presidente José Eduardo dos Santos não está convencido da validade dos argumentos das autoridades turcas, desde logo porque os cidadãos turcos estão em situação legal, integram uma comunidade pacífica e socialmente integrada e constituem um importante motor do desenvolvimento económico e social do país.
No entanto, existe uma corrente de falcões no seio de altos dignitários do regime que, por mera ambição financeira, tenta convencer José Eduardo dos Santos. Nesse sentido, jogam a argumentação das relações bilaterais, dos investimentos oficiais turcos, pouco se importando que essa troca de comida por pessoas ponha em perigo a vida de inocentes, incluindo mulheres e crianças, legalmente estabelecidos no nosso país.
Aliás, sendo a extradição solicitada no âmbito da acusação de participação, directa ou indirecta, na tentativa de golpe de Estado, sabe-se que essas pessoas (há mulheres grávidas) serão condenadas e que a pena de morte é um dos cenários mais credíveis.
Neste momento os turcos que vivem em Angola onde, repita-se, constituem uma valiosa comunidade importante para o nosso país, vivem apavorados por temerem que as garras de Erdogan consigam convencer as autoridades angolanas de que são aquilo que não são: golpistas.
Grave é, igualmente, o facto de que vários dirigentes do MPLA se perfilam para corroborar as teses turcas, visando apenas apoderar-se do património desses cidadãos que, se forem deportados, verão os seus bens, investimentos, negócios confiscados pelos canibais do regime.
Os turcos são empresários e nunca fizeram política nem na Turquia nem Angola. Agora que lhes cai em cima a possibilidade de serem, como outros, bodes expiatórios dos nefastos e opacos desígnios de Erdogan, ainda acreditam que Angola não se perfilará ao lado dos piores de África, nomeadamente Sudão e Somália, únicos países que aceitaram essa negociata de trocar seres humanos inocentes por dinheiro e arroz.
Nem Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, onde os cidadãos turcos também têm negócios aceitaram essa violação.
Perante este cataclismo que pode, a todo o momento, bater-lhes à porta, os turcos apelam à União Europeia, Estados Unidos da América e União Africana para poderem estar solidários com a sua situação enquanto inocentes que, caso o arroz valha mais do que eles na balança do Governo angolano, terão como destino a morte.
Oxalá Angola não manche a sua reputação mandando inocentes para a morte, pois se eles desenvolvessem actividade política já os serviços de segurança internos saberiam.
Recorde-se que Recep Tayyip Erdogan foi “vítima” de uma tentativa de golpe militar feito por medida e à medida de Recep Tayyip Erdogan. Esta foi, aliás, a melhor maneira para Recep Tayyip Erdogan fazer ele próprio um golpe militar para permitir a Recep Tayyip Erdogan instituir a pena de morte, fazer todas as purgas que entender, ficar com todos e mais alguns poderes e, ainda por cima, garantir a solidariedade e o apoio da Europa, EUA e Rússia.
Em todo este macabro jogo geo-estratégico em que as pessoas são meras peças de um xadrez canibalesco, relembremos que o islâmico-conservador Recep Tayyip Erdogan afirmou ter provas do envolvimento da Rússia no tráfico de petróleo do grupo extremista Estado Islâmico na Síria. Ao que a Rússia diz ter provas do envolvimento de Recep Tayyip Erdogan no mesmo tráfico. O Presidente turco mandou igualmente os EUA e a União Europeia darem uma volta ao bilhar grande ao dizer para americanos e europeus se meterem nos seus assuntos, depois das críticas dos ocidentais sobre a repressão sobre as pessoas suspeitas de envolvimento no suposto golpe de Estado falhado.
E no fim quem morre são os que não têm culpa de coisa alguma.
A Turquia é influente no Corno de África, mas quer agora ter mais peso na zona ocidental do continente. Depois de visitar Abidjan, Acra e Lagos, o Presidente turco, Recep Erdogan, seguiu para Conacri, numa viagem de grande aparato por toda a região. Com ele seguiam mais de 200 empresários.
A Turquia procura apresentar-se perante os países africanos como o seu grande porta-voz junto das instituições internacionais, além dos seus papéis económico e humanitário.
Há cerca de uma década que a Turquia tem negócios a sul do Saara, recorda o Le Monde. Entre o domínio chinês e a presença brasileira e russa, há ainda espaço para os turcos multiplicarem contactos, entre ajudas humanitárias e lucros próprios. E entre 2003 e 2014 o volume das trocas entre a Turquia e o continente mais que quadruplicou, passando de 5,3 a 23,4 mil milhões de dólares.
Depois de uma história que liga a Turquia a África há muitos séculos, a entrada do país na União Europeia, em 2008, levou o país a reorientar a sua política internacional. Com a liderança do ministro das Relações Exteriores da época, Ahmet Dutoglu, a rede turca de representações diplomáticas em África expandiu-se muito. De 12 embaixadores, passaram a ser 39. E hoje há também 32 embaixadas africanas na Turquia.
E a diplomacia é também, se assim se pode dizer, «aérea»: em 2008, a Turkish Airlines voava para apenas quatro destinos na África subsaariana. Hoje são 26 voos diferentes. E o objectivo é claro: destronar a Ethiopian Airlines, a maior companhia africana, e também a Air France-KLM.
Os novos mercados
Ascreve o Le Monde que, nos últimos anos, as guerras na Síria e no Iraque e o afastamento entre Turquia e Egipto, Rússia ou UE levaram o país a ter de se reposicionar em termos diplomáticos. Para isto, a ASKON (a federação turca dos empresários e dos industriais) desempenhou um papel-chave, avançando para África. Os investimentos turcos no continente eram de 500 milhões de dólares em 2008, mas hoje alcançam os 10 mil milhões – estando sobretudo na Etiópia, na África do Sul, no Sudão e na Nigéria.
As exportações para África, ainda que representem apenas 9,3% do conjunto turco, mais que duplicaram entre 2007 e 2013, continuando a ser mais fortes no Magreb.
O grande papel da Turquia em África aos olhos do mundo continua a ser o seu trabalho humanitário na Somália. O país participou na missão da ONU em território somali em 1991 e dois anos depois foi um turco, Çevic Bir, que passou a liderar essa força internacional. Em 2011, a 19 de Agosto, Recep Tayyip Erdogan surpreendia o mundo ao visitar a Somália, onde a seca e a fome deixavam um rasto de devastação. Viajou com a mulher, a filha, quatro ministros e outros membros do seu gabinete. A visita teve uma carga simbólica muito elevada – Erdogan era o primeiro chefe de Estado não-africano a visitar o país em 20 anos.
Ankara abriu depois uma embaixada em Mogadíscio, abriu poços de água, construiu uma estrada que liga a capital somali ao aeroporto e ergueu um hospital com 200 camas, que é o maior do país. E foi uma empresa turca que venceu o contrato para reconstrução e manutenção do porto de Mogadíscio, para os próximos 20 anos. Em termos diplomáticos, e mais recentemente, a Turquia mediu as conversações entre a Somália e a Somalilândia, em 2015.
OAKP (o partido no poder na Turquia) afirma o papel do Islão como instrumento político na cena internacional. Através das escolas da confraria Gülen e da IHH (a fundação turca para ajuda humanitária) levam essa mensagem mais longe. Há pelo menos 96 estabelecimentos ligados a estas redes turcas na África subsaariana (17 deles na Nigéria).
Num registo mais laico, a TIKA (a agência turca de desenvolvimento) leva numerosos programas a cabo no continente, onde tem seis escritórios (na Etiópia, no Sudão, no Senegal, na Somália, no Quénia e na Tunísia).
E como é que os países africanos vêem estes avanços turcos? Cada um terá a sua ideia. Mas o investigador turco Mehmet Özgan resume ao Le Monde o estado de espírito das nações de África em traços gerais: “Uma mistura de embaraço e de esperança”.